Proseando com Daniela Chaves
#01 Uma mãe brasileira vivendo na Alemanha e o primeiro material de apoio para se divertir em português!
Como é, na prática, manter o português no dia a dia de uma família multicultural?
Para inaugurar nossa seção de conversas, convidei a
, uma mãe brasileira que vive na Alemanha com seu marido alemão e seus dois filhos. A história dela é um retrato de como é possível manter o português mesmo quando o idioma de fora é dominante.Falamos sobre os desafios e as alegrias de ver o português ganhando espaço, a confusão hilária com a palavra "caca" e sobre outras formas de se conectar com nossa cultura.
Espero que motive mais pessoas mudo afora a continuarem falando português com seus filhos. Eu certamente sai dessa prosa inspirada!
Vamos à nossa conversa.
(Ah, e ao final desta edição você encontra o primeiro material de apoio para se divertir em português com os pequenos!)
Para começar, conte um pouco sobre sua jornada: como o português e o alemão convivem no dia a dia da sua casa com seus dois filhos?
Sinto que preciso começar contando brevemente sobre a minha história com o idioma alemão: aprendi no colégio desde a terceira série do ensino fundamental. Aos 16 anos, fiz um intercâmbio de oito meses para uma cidadezinha do norte da Alemanha e voltei de lá “uma própria alemãzinha” – até esqueci algumas palavras quando pisei de novo em solo brasileiro. Pouco antes de embarcar pro intercâmbio, já estudava todas as matérias em português e em alemão, ou seja, era um ensino bilíngue e alguns dos meus colegas de sala eram filhos de alemães. Quando cheguei para fazer faculdade na cidade de Bielefeld em 2011, ninguém nem desconfiava que eu não fosse alemã. Dito isso: o alemão é a língua mais falada aqui em casa. Porém, desde que o meu primogênito nasceu (ou melhor, desde que ele estava na minha barriga), o português voltou aos meus lábios e ouvidos.
Sendo o meu marido um verdadeiro autodidata, foi só com a ajuda de livros de português para estrangeiros que aprendeu sozinho o nosso idioma. Além disso, por sempre me ouvir falar (e ainda assinar a minha newsletter), as conversas com as crianças são inteiramente bilíngues, afinal nós dois nos entendemos. Há poucos dias mesmo, tivemos uma “conversa séria” com o nosso filho sobre o uso de palavras escatológicas durante as refeições na escolinha. Foi um papo tranquilo em que cada um complementava o outro em seu idioma. Esse é um ótimo exemplo de como o nosso dia a dia funciona. Como boa engenheira, se fosse para quantificar (rs!), diria que estamos na proporção 70-30 alemão-português. ;)
No texto da primeira edição, conto que minha filha me perguntava muito: "Mamãe, por que você me ensinou sua língua?". Se seus filhos te fizessem essa pergunta hoje, qual seria a sua principal resposta?
A resposta principal é simples: porque eu quero que você consiga se comunicar bem com seus avós, a bisa, seus tios e primos. A resposta mais complexa (e que talvez surja em um momento lááá no futuro) seria: porque eu acredito que a língua molda a nossa forma de pensar e acho enriquecedor demais que você tenha, desde o início da vida, a influência de duas culturas, formando seu jeito, seus hábitos e sua mentalidade.
Por morar junto com alguém que tem outra língua materna, a dinâmica da sua casa é um desafio comum de muitas famílias. Vocês têm alguma estratégia para quando usar o português?
A regra aqui é bem clara: eu SÓ falo português com as crianças.
Mesmo quando meu filho mais velho conversa comigo em alemão (a mais nova tem apenas um ano e portanto, não fala nada além de “mamãe” e “papai”), eu sempre respondo repetindo sua pergunta em português. Ele, então, ouve a resposta e, atualmente, continua o papo na nossa língua. Mas nem sempre foi assim. Houve épocas, nas quais eu até forçava um pouco a barra (não sei se faria de novo, mas foi o que aconteceu), e perguntava: “e como se fala isso em português?”. Fiquei bem mais tranquila quando fomos ao Brasil em maio deste ano e em menos de horas, o peguei falando a nossa língua com uma desenvoltura que nunca tinha visto em casa (na Alemanha). Foi ali que tive a sensação de que o “esforço” (entre aspas, porque falar português foi muito natural pra todos nós) tinha valido a pena.
Mesmo assim, percebo o quanto é essencial buscar outras fontes, como livros ou músicas, para manter o idioma no cotidiano deles. Além de passar tempo juntos e conversar muito, muito, muito.
Você já sofreu algum tipo de preconceito por estar falando em português na Alemanha? Houve momentos de cansaço ou de desafio que te fizeram questionar esse processo?
Preconceito? Não, nunca, nunca. Pelo contrário, a curiosidade alheia só nos impulsiona a continuar falando. É como você disse: é a nossa língua secreta.
Agora, cansaço ou desafio? Sim, inúmeras vezes. Até os quinze meses de vida do nosso primogênito, ele estava apenas sob os cuidados meus e do meu marido. Depois tivemos um período de transição de carreira e moramos quatro meses na casa dos meus sogros. Até o início daquele período, as primeiras palavras do pequeno eram em português. Depois, o alemão foi entrando mais no dia a dia dele e, lembro o quão chateada eu ficava por não ouvi-lo mais falar palavras soltas em português. Tudo piorou ainda mais quando voltei a trabalhar, afinal eram muitas horas sem mim e, portanto, sem a influência da minha língua materna. Eu sabia e sei que tudo isso é inevitável, mas não conseguia não cansar ou achar que deveria largar a mão. A experiência no Brasil deste ano veio para me lembrar que está tudo ali na cabecinha dele. Basta não desistir. E vale recordar também que a vida é feita de fases. Essa última semana mesmo é um ótimo exemplo: o meu filho mais velho estava sempre me dirigindo a palavra primeiro em alemão. Como ele já está maior, questionei: “ei, que história é essa de ficar falando comigo em alemão?”, ao que ele respondeu: “ué, mas você sabe falar!”. E ele tem razão, não é? Foi uma boa conversa, na qual pude de novo explicar os meus motivos para querer manter o português presente na vida dele.
Essa conversa com seu filho me tocou muito, porque é um reflexo do que vivo aqui em casa. Com o sueco cada vez mais presente, me vejo constantemente lembrando minha filha que em casa a gente fala português. É uma jornada cheia de fases, não é? E imagino que, no meio delas, também surjam momentos muito engraçados com a mistura de idiomas. Você tem algum exemplo de uma palavra ou expressão que ganhou um novo significado para você ao ser dita por seus filhos, talvez com um sotaque alemão ou misturando palavras dos dois idiomas?
A primeira coisa que me veio à mente foi (óbvio!) uma palavra escatológica. Aviso para os pais de crianças menores de três anos: aguardem, essa fase vai chegar. Afinal, ela chega para todos (risos). Bem, estávamos no Brasil, minha mãe dava banho nas crianças. Ao lavar o rosto dele, ela disse: “agora vamos limpar o nariz e tirar essa caca!”. Pronto, estava feita a confusão. Meu filho não conseguia mais parar de rir e minha mãe ficou sem entender nada. “Kacka”, em alemão, é “cocô”. Se a palavra em si já é engraçada no sentido correto, imagina quando usada em um contexto inesperado. Tudo ficou ainda mais hilário quando os primos, no dia seguinte, passeando com a nossa filha mais nova, disseram: “não, Julia, não coloca isso na boca. É caca!”. Desde então, a expressão “caca no chão” é falada diariamente em casa. Aliás, foi por conta dessa palavra que rolou a tal conversa “séria” com o nosso primogênito há algumas semanas (risos!).
Estou rindo aqui, adorei a história! Acho essas “confusões” uma parte divertida de viver entre línguas. Além dessas palavras que nos pegam de surpresa, tem aquelas que são quase um pedaço do Brasil, como saudade, pastel, cafuné.... Qual é a palavra em português que seus filhos mais usam e que você sente que é o "gostinho de casa" pra vocês aí na Alemanha?
Acho que são as expressões que eles usam que me marcam muito e me fazem sentir em casa. Por exemplo:
“Que coisa isso, né mamãe!”, ele diz pra quase tudo. Às vezes, a situação nem pede, mas acho que ele sente que é algo bem brasileiro (ou bem meu?!) e acaba se aventurando ao usar a expressão também.
“Papai”: meu filho só chama o pai de “papai”. Foi assim até poucos meses atrás. Atualmente, um “Papa” tem escorregado ao falar do pai para uma terceira pessoa e, nessas horas, o coração do meu marido até dói (e o meu também. Nosso filho está crescendo e isso sempre assusta!).
Além da língua, que outros meios você utiliza para trazer um pedacinho do Brasil para dentro de casa?
“Arroz e feijão” faz parte do nosso cardápio da casa. Até meu marido sabe cozinhar! Quando é para ser bem brasileiro mesmo, adicionamos ainda farinha de mandioca, banana e ovo. Hmm, que delícia! Além disso, paçoca e pão de queijo estão entre as comidas mais pedidas aqui em casa. Pena que nem sempre é possível realizar esses desejos!
No carro, ouvimos muito as músicas da Palavra Cantada. A nossa preferida se chama “Sopa”.
Os livros em português não estão em alta ultimamente. Desde que a mais nova nasceu, é o pai quem coloca o mais velho para dormir e com isso, o nosso ritual de leitura anda adormecido. Mas já estou querendo fazer a assinatura de um clube do livro para reativar o interesse pela leitura em português.
No entanto, mesmo quando leio livros em alemão e observamos as ilustrações juntos, faço perguntas como: “onde está isso?” ou “que letra é essa?”, sempre em português. Assim, mais bilíngue impossível <3
Para fechar nossa conversa, pensando em outras mães/pais que vivem em famílias multiculturais, qual seria a sua dica mais valiosa para manter o português como uma língua de afeto, e não de obrigação?
Como tudo na vida de mãe e pai, o mais importante é ser exemplo.
É fato que os filhos não falarão português, se não puderem observar como os pais o fazem, afinal não terão de onde replicar e, provavelmente, se sentirão desconectados de si mesmos ao falar o idioma. Portanto, fale, fale, fale!
Converse muito com seus filhos, passe tempo com eles, pergunte sobre o dia deles, conte histórias da sua vida, cante e ouça músicas, mostre receitas, cozinhem juntos, liguem para os avós. E, se cansar, lembre-se, está tudo bem. Só não desista ;)
A convidada do mês
Para que a nossa conversa não termine neste e-mail, aqui estão dois materiais preparados com carinho, para você imprimir e se divertir em família.
O primeiro é o Mapa afetivo do Brasil, um convite para viajar pelas nossas origens, despertar conversas e criar conexões.
O segundo é o Jogo das palavras inusitadas, uma atividade para relembrar ou descobrir palavras divertidas da nossa língua portuguesa.
Espero que estas oito páginas despertem curiosidade e gerem boas memórias. É só clicar no botão abaixo para fazer o download.
Depois me diz como foi a experiência por aí?
Aqui em casa o jogo das palavras rendeu boas risadas! Nasceu até um novo verbo: "jacaretiar". Além disso, minha filha de quatro anos criou a brincadeira "xereta", onde cada um imaginava o que os vizinhos estariam fazendo.
E falando em jacaré…
Para aqueles que já sabem ler e escrever, que tal deixar o tempo de tela mais…brasileiro?
Criamos um jogo cheio de palavras únicas da nossa língua. Esqueça o jogo da forca tradicional. Neste, a cada letra errada, uma parte do jacaré aparece na tela. É preciso adivinhar a palavra secreta antes que ele se forme por inteiro!
Um jeito divertido e desafiador de brincar com o português, ampliar o vocabulário e conhecer mais sobre a nossa terra e cultura. Diversão para toda a família! :)
Aaaa que delícia de bate papo. Aqui em casa o namorado é alemão, mas depois de 3 anos ele já usa as palavras:
Uai
Trem
e Nú
Amei a iniciativa! Sou casada com um franco-canadense e moramos no Quebec/Canadá. Meu marido é bilíngue (francês e inglês) e também aprendeu português e hoje fala super bem. Nossa comunicação eu diria que é 70% em inglês, 20% em português e 10% em francês. Decidimos que quando Miguel nascer (em breve) eu vou falar com ele apenas em português, meu marido apenas em francês e em família vamos manter o inglês (provavelmente misturado com português e francês hahaha). Não vejo a hora de ver como vai funcionar na prática e foi muito bom saber como é a dinâmica de outras famílias multiculturais!